ENCONTRANDO JESUS NAS
FESTAS DO ANTIGO TESTAMENTO
O pecado padrão da raça humana é
colocarmos a nós mesmos em primeiro lugar. “É tudo a respeito de mim!” foi um
slogan engraçado que vi numa camiseta. E se tornou agora a maneira de viver. A
menos que pregadores e mestres da Bíblia sejam cuidadosos, a maneira como
lidamos com a Escritura pode realmente alimentar esta besta. Apressamo-nos à
aplicação, consumidos por esta pergunta: “Como isto é relevante para mim?”
No entanto, a Bíblia é
teocêntrica, e não antropocêntrica. Ela está mais interessada em delinear os
caminhos de Deus – seu caráter, propósitos e plano redentor cósmico (“Porque
Deus amou o mundo de tal maneira”) do que em dar aos crentes modernos estímulos
que edificarão o caráter (“Sejam corajosos como Daniel; lidere como Neemias;
com a fé de Abraão”).
Temos de começar por lembrar a
narrativa abrangente da Escritura. A Bíblia é notável: 66 livros, dezenas de
autores humanos, 1.500 anos de elaboração, vários tipos de literatura. Mas sua
grande diversidade é mantida em união por um fio dourado, uma narrativa
singular em três movimentos – criação, queda e redenção. Esta narrativa
estabelece o contexto histórico crucial para a vinda de Jesus Cristo. Este
contexto histórico apresenta caracteres, estabelece relações e define
palavras-chave. Neste caso, o Antigo Testamento apresenta Jesus, define sua
obra como Messias e estabelece a estrutura teológica para entendermos a
redenção de Deus. Uma breve consideração de duas festas do Antigo Testamento é
ilustrativa. A primeira festa é a Páscoa, a festa familiar que se baseava no
êxodo. Algumas de suas características (o anjo da morte, sangue nas ombreiras,
uma refeição comida às pressas) são partes bem conhecidas da história. O
importante é que todas elas são sombras do Cristo vindouro.
Jesus ministrou em um contexto
judaico, observando a Páscoa com seus discípulos. Mas ele se esforçou por
mostrar que os costumes eram mais do que contexto; eles o definiam.
A Torá exigia que cordeiros
selecionados fossem colocados à exposição pública durante quatro dias (Êx
12.3-6), para certificar-se de que eram imaculados. Jesus, depois da entrada
triunfal, se apresentou a si mesmo no templo durante aquele período exato, para
cumprir aquele mesmo propósito. Ele se submeteu às provas realizadas pelos
fariseus, herodianos, saduceus e escribas (Mc 12.13), foi julgado diante do
Sinédrio e de Pilatos e comprovou ser imaculado.
“Este é o meu corpo” e “este
cálice é a nova aliança no meu sangue” são as sentenças-chave da Ceia do
Senhor, mas foram proferidas durante o Sêder Pascal. Os alimentos – e o verdadeiro
êxodo – se acham em Jesus.
A Páscoa era tanto uma festa
familiar como comunitária. O cordeiro escolhido “para a nação” era amarrado num
poste no pátio do templo às 9h da manhã, no dia da Páscoa, e imolado
publicamente às 3h da tarde. Assim também aconteceu com nosso Senhor – pregado
na cruz às 9h da manhã, ele morreu às 3h da tarde, assim como o animal de
quatro patas morria em liturgia que concluía: “Está terminado!”
Por que esses detalhes são
importantes? Porque o âmago da morte de Jesus – em contrário à teologia popular
egoísta – não é meramente quanta dor física ele suportou por mim. Antes, é o
que Deus realizou por meio da morte de Jesus. A resposta se acha nas figuras
envolvidas na Páscoa. A história da Páscoa (Êx 12.2) começa com estas estranhas
palavras: “Este mês vos será… o primeiro mês do ano”. Com a Páscoa, Deus
reformula o calendário dos judeus. A antiga vida deles como escravos estava
acabando, uma nova vida como filhos, começando. A morte de Jesus anunciou o
mesmo, mas em uma escala muito maior. Paulo declara: “Fomos unidos com ele na
semelhança da sua morte” (Rm 6.5). Mas ele também exulta: “Tragada foi a morte
pela vitória” (1 Co 15.54). A morte com um “M” maiúsculo – não somente a morte
física pessoal, mas o reino devastador do pecado sobre o mundo do primeiro Adão
(Rm 5.12-21) – foi vencido na cruz de Cristo.
Se o reino da morte foi vencido
na cruz, onde surge o novo? Surge na ressurreição de Jesus na Festa das
Primícias. As origens desta festa do Antigo Testamento eram agrícolas: os
primeiros feixes eram trazidos ao tabernáculo para compartilhar a bondade de
Deus com os pobres e estrangeiros. Mas a festa sempre inclinava Israel o olhar
para frente, anunciando o dia em que toda a vida seria novamente “muito boa”,
como antes havia sido.
Paulo usa a linguagem de festa
para explicar isto (1 Co 15.20). Visto que a morte de Jesus venceu a morte,
também, como segundo Adão, a sua ressurreição fez surgir uma nova criação, um
reino de graça (Rm 5.21). Cristo é as “primícias” deste novo mundo. Ressuscitados
com ele, nós, “que temos as primícias do Espírito” (Rm 8.23), também somos as
primícias da nova criação (Tg 1.18).
Portanto, a Festa das Primícias,
do Antigo Testamento, é a base de uma escatologia vigorosa e prática do Novo
Testamento (uma visão da era por vir).
Estes são apenas dois exemplos
breves; há várias outras festas, inúmeras práticas do templo e narrativas
históricas que servem para anunciar a redenção que viria em Jesus. Um evangelho
moldado pela rica história do Antigo Testamento é evangelicamente muito mais
convincente, porque honra a unidade coerente da Escritura. E esse evangelho
produz discípulos que têm uma autoimagem mais saudável: eles resistem ao pecado
padrão de colocar a si mesmos em primeiro lugar e aprendem a negar a si mesmos
e seguir a Jesus.
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